terça-feira, 26 de julho de 2011

A polêmica sobre encargos sociais e desoneração da folha

De tempos em tempos, volta à tona a velha polêmica sobre a questão dos encargos sociais no Brasil. O tema, que já foi abordado pelo Dieese antes, polariza opiniões e constitui-se em importante divisor de águas, entre capital e trabalho, quando são discutidas alternativas de políticas de emprego e renda. As divergências refletem obviamente interesses de classes antagônicos.

Mais recentemente, o debate tem sido colocado em torno da proposta de desoneração da folha de pagamentos como forma de redução de custos das empresas e aumento de sua competitividade internacional, num cenário de forte valorização do real frente ao dólar. Uma proposta inicialmente embutida na política industrial sugerida pelo governo federal (intitulada Plano de Desenvolvimento da Competitividade - PDC) sem prévia consulta à classe trabalhadora e seus representantes.

O argumento do capital

De um lado, alinham-se os que consideram muito elevados - 102% - os encargos sociais que as empresas brasileiras pagam sobre os salários. "O Brasil tem uma elevada incidência de encargos trabalhistas sobre a folha de pagamento, ou seja, um empregado custa para o empregador duas vezes o valor de seu salário" (CNI, 1993).

Essa situação inibiria o aumento do emprego formal e colocaria o Brasil em situação desfavorável na comparação internacional. De outro, estão os que consideram que os encargos representam pouco mais de 1/4 da remuneração total recebida pelo trabalhador, argumentando que uma grande parcela do que se costuma chamar de encargo social é, na verdade, parte integrante da própria remuneração, ou seja, salário, ainda que indireto. Redução de encargos, na forma pretendida pelos empregadores, é sinônimo de redução de salários e direitos.

Mercado de trabalho

Há, também, grande controvérsia quanto ao impacto que uma eventual redução dos encargos sociais teria sobre o mercado de trabalho, em termos de nível e qualidade do emprego.

Para alguns, representantes do patronato, a magnitude e a rigidez dos encargos sociais existentes no Brasil seriam, em grande medida, responsáveis pela dificuldade de ampliação do número de empregos e pelo elevado grau de informalização dos vínculos de trabalho. O peso excessivo dos encargos sociais e a impossibilidade de sua flexibilização, em casos de redução de atividade econômica, levariam as empresas a uma atitude conservadora na criação de novos postos de trabalho ou à alternativa de utilização de mão de obra informalmente contratada.

Política macroeconômica

Para outros, que são em geral representantes da classe trabalhadora, fatores inibidores do crescimento do emprego muito mais importantes que o peso dos encargos sociais estariam situados em outra esfera, relacionada às condições macroeconômicas que dificultam o investimento e a demanda interna: altas taxas de juros, arrocho monetário, arrocho fiscal, ausência de políticas setoriais consistentes e ambiente de incerteza econômica.

Prova disso é que, após duas décadas decrescimento econômico pífio e aumento explosivo das taxas de desemprego no Brasil, a retomada de um crescimento mais sustentado, com redução das taxas de juros e ampliação do crédito como a verificada nos últimos anos, fez crescer fortemente o emprego formal e reduzir drasticamente as taxas de desemprego. A média anual da taxa metropolitana de desemprego total em seis regiões metropolitanas registradas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) caiu de 20,8%, em 2003, para 12,3%%, em 20101. No mesmo período, quase nove em cada 10 empregos criados foram formais, ou seja, com carteira assinada.

O que é salário e o que são encargos sociais?

Nessa polêmica acerca dos encargos sociais, existem duas interpretações principais.

Uma delas tem grande aceitação entre os empresários e alguns círculos acadêmicos que exercem influência destacada sobre o pensamento empresarial. A partir de um conceito restrito de salário, chega-se à conclusão de que os encargos sociais no Brasil são elevados e atingiriam mais de 100% da folha de pagamentos. Segundo essa visão, defendida enfaticamente pelo professor José Pastore, destacado assessor empresarial, “o Brasil é um país de encargos altos e salários baixos, o que faz o trabalhador receber pouco e custar muito para a empresa". De acordo com essa interpretação, um trabalhador contratado por R$1.000,00 custaria R$ 2.020,00 para a empresa, por conta dos encargos sociais. Trata-se de uma concepção falsa de encargos sociais, criada para municiar a argumentação patronal.

A segunda interpretação, adotada pelo Dieese e por pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp), conclui que o peso dos encargos sociais é de apenas 25,1 % sobre a remuneração total do trabalhador. Por esse raciocínio, salário é a remuneração total recebida integral e diretamente pelo trabalhador como contraprestação pelo seu serviço ao empregador. Essa remuneração subdivide-se em três partes, a saber:

• salário contratual recebido mensalmente, inclusive nas férias;

• salário diferido (ou adiado), recebido uma vez a cada ano (13º salário e 1/3 de férias);

• salário recebido eventualmente (FGTS e outras verbas rescisórias).

Todas essas partes constituem aquilo que o trabalhador "põe no bolso", seja em dinheiro vivo, ou na forma de uma espécie de conta-poupança aberta em seu nome pelo empregador (o FGTS, que constitui um patrimônio individual do trabalhador).

Concepção falsa

Assim, carece de fundamento a ideia segundo a qual os encargos correspondem a mais de 100% do valor dos salários. O pano de fundo desta polêmica é a contradição e o choque entre salário e lucro. O empresário quer reduzir o valor pago ao trabalhador, direta ou indiretamente, reduzindo com isto o custo do trabalho, para maximizar os lucros. O trabalhador defende seus rendimentos, que são sabidamente modestos, e luta para ampliá-los.

O empresariado levanta a bandeira da competitividade no interior de um capitalismo globalizado em que a concorrência se acirra e enxerga competitividade como sinônimo de depreciação do valor da força de trabalho. Os trabalhadores apontam outros fatores que obstruem o desenvolvimento da indústria e restringem o potencial de crescimento, a começar pela política macroeconômica de viés neoliberal fundada no tripé juros altos, câmbio flutuante e superávit fiscal. A verdade é que o custo do trabalho no Brasil é baixo em comparação com outros países, inclusive da América Latina. Cerca de 70% dos assalariados ganham até três salários mínimos.

A intenção de reduzir encargos e salários é inaceitável para a classe trabalhadora e o movimento sindical. Na proposta do governo surgiu a idéia de redução da contribuição previdenciária e programas educacionais. Conforme observa o Dieese no documento divulgado nesta terça, 26, sobre o tema “não é razoável que se reduzam as alíquotas da Previdência Social e de programas educacionais sem que se definam fontes alternativas para o seu financiamento. É imprescindível preservar a receita da Previdência”. O movimento sindical quer ser consultado para a definição da política industrial, que não pode deixar de contemplar e incorporar o pensamento da classe trabalhadora.

Fonte: vermelho.org.br

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